O ritmo e o tempo

Uma outra escritura

Se escrevo em um roteiro ‘na manhã seguinte, Charles Swann acorda pensando em Odette’, é uma frase literária que não possui nenhuma equivalência cinematográfica. Cada palavra contém uma impossibilidade: ‘o dia seguinte’: como indicar no cinema que estamos no dia seguinte? ‘De manhã’ é menos simples do que pensamos. ‘Charles Swann’; se não pronunciei esse nome antes, ninguém saberá quem ele é: será simplesmente um homem em sua cama. E ‘pensando em Odette’ não é imaginável. Podemos mostrar um ator que está refletindo, mas não podemos mostrar alguém que está pensando. Se não conseguimos comunicar um pensamento preciso, às vezes tentamos sugerir de modo sutil aquilo que um personagem está pensando. Simplesmente mostrando-o e abstendo-se de falar de suas impressões ou de suas preocupações.
Mas de um modo geral ‘o pensamento é a noite do cinema’...
É preciso lembrar sempre que o público é mais passivo no cinema que no teatro. A imagem na tela se impõe com mais força e realismo que uma cena de teatro. Quando um diretor não se dá conta da faculdade de imaginação de um público de teatro, ele vai inevitavelmente ao fracasso. No cinema, o espectador está na sombra e está disposto a receber imagens. A partir do momento que uma imagem é fotografada, que é a própria definição do fotograma, ela é recebida como verdadeira. É por isso que o fantástico, a violência, o horror possui tanto impacto: acreditamos no que vemos. A tela é portadora de verdade. O cinema nos transforma em São Tomé: vimos, acreditamos. No teatro, ao contrário, permanecemos sempre no teatro. Isso não quer dizer que a emoção sentida seja fraca, mas ela nos atinge de um modo diferente.