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O bom lugar do clichê
Hitchcock dizia também, em uma outra esfera, ‘Mais
vale partir de um clichê do que terminar em um’. Quando
procuramos uma idéia original, que damos tratos à
bola para encontrar uma situação que nunca foi contada
e a encontramos, começamos por festejar e nos parabenizar
por termos inventado um truque extraordinário. Em seguida
nos perguntamos ‘Será que os espectadores vão
aceitar isso?’ Então começamos a elaborar, a
encontrar ajustes, em suma, a reduzir o novo, e terminamos com um
clichê.
Isso aconteceu com Jean Lotte há uns vinte anos. Ele propôs
a um produtor de rodar um filme sobre a vida dos santos dos primeiros
séculos da Igreja. Ele conhecia muito bem o assunto e havia
publicado um livro a respeito. Os dois concordaram que é
uma história extraordinária, que nunca tinha sido
filmada, portanto deveria ser feita. Eles envolveram um roteirista
e todos trabalharam por mais de seis meses. O filme foi de fato
filmado, mas, de mudança em mudança, não se
tratava mais de uma história santa, mas de uma série
noir com Eddie Constantine que se passava na Madrid de nossos dias.
Eis o caminho de um roteiro. De tanto se perguntarem sobre por quê
um filme tão longe de nós, de se perguntar qual personagem
contemporâneo poderia ser o mais próximo de um santo
de antigamente e descobrir que seria um detetive particular, sem
nenhuma pressão do produtor, eles chegaram a fazer um filme
completamente banal partindo de uma idéia bem original.
Se, por outro lado, como Hitchcock e Lubitsch, partimos de uma situação
melodramática clássica e desenvolvemos essa idéia,
ao fazermos um exercício de aprofundamento, ao introduzirmos
pouco a pouco elementos que irão, digamos, pervertê-la,
torná-la interessante, temos mais chances de chegar a um
filme original do que se, desde o início, pensamos que iremos
fazer algo que nunca foi visto.
Quando partimos de uma originalidade importante ou de uma grande
novidade, contra nossa própria vontade, estamos nos protegendo.
Estabelecemos estruturas de pensamento, medos, freios que agem e
nos bloqueiam sem nos darmos conta.
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