O que é um roteiro?

Um texto próximo à imagem

Sou roteirista há 20 anos e tenho constatado – devido aos fatos - uma evolução na escrita de roteiro. Antes ela era muito mais técnica, precisa. Era necessário dar muitas indicações de cenário, de lentes, até mesmo de diafragma. Hoje, tudo isso desapareceu em grande parte e o roteirista não está mais ligado desse modo a uma escrita que inclui uma decupagem técnica, pois a filmagem se faz mais comumente em cenários naturais aos quais devemos nos adaptar no próprio momento.
Mas permanece na escrita de um roteiro uma certa maneira de indicar o que eu chamo uma decupagem inconsciente ou subterrânea. O simples fato de iniciar novo parágrafo evidencia isso. O conteúdo das frases também.
Se digo ‘uns trinta estudantes estão reunidos em uma sala com poltronas negras da escola de cinema’, isso implica, sem necessidade de maiores especificações, uma panorâmica. Se escrevo ‘na primeira fila, uma estudante morena com cabelos curtos toma notas com uma caneta azul’, isso indica automaticamente um close.
Iniciar um novo parágrafo ritma inconscientemente a leitura e dá indicações preciosas. À primeira vista, não nos damos conta que existe uma decupagem, mas existe, e a leitura não é obstruída e sobrecarregada de indicações técnicas. Se leio ‘em uma pequena mesa, dois homens estão sentados. Um fala e tem uma barba grisalha, e o outro, os braços cruzados e está ouvindo’, eu vejo um plano médio. Se leio ‘sua mão leva um copo d’água até seus lábios’, eu sei que se trata de um close-up.
Se queremos indicar um travelling unindo esses dois planos - plano médio e close-up - basta escrever essas duas ações sem interrupção, quer dizer, ‘dois homens estão sentados em uma mesa. Um fala, o outro escuta. A mão do homem barbudo pega um copo e aproxima de seus lábios’. Inconscientemente, fiz um zoom e antes um travelling, porque não abri novo parágrafo.
Se, em compensação, eu abro um novo parágrafo, por esse simples fato de escrita, indico um corte, uma mudança de plano.
Quando se trabalha com um diretor, quando imaginamos em dois uma cena, acontece um outro fenômeno. Acontece uma espécie de comunicação visual que se estabelece, que mantém a decupagem inconsciente induzida no que acabamos de perceber - iniciar novo parágrafo ou não, escrever essa ou aquela frase.
Misteriosamente, os dois colegas vêem a cena com as mesmas disposições. Com Buñuel, isso acontecia constantemente. Se eu escrevia, por exemplo,

‘Alguns espectadores estão na sala. Pela porta enfeitada com papel de parede azul acaba de entrar um homem moreno, vestido com um pulôver, que vai se sentar’.

Isso queria dizer - minha mudança de parágrafo - que eu tinha me colocado na porta para ver a entrada desse personagem. Quando começávamos a trabalhar essa cena e eu desenhava a tomada, se eu perguntava ‘Luis, de que lado do cenário é a porta?’ Ele me respondia, por exemplo, ‘à sua esquerda’ e isso sempre correspondia ao que eu havia imaginado. Isso está relacionado ao gesto que fazemos, às atitudes que tomamos, mas também a uma comunicação quase telepática que se estabelece entre duas pessoas que trabalham há alguns dias ou semanas juntos.